Em 5 de agosto de 1964, foi constituída Subcomissão de Inquérito, sob a presidência do Tenente Coronel Heitor Furtado Arnizaut de Mattos, para apurar responsabilidades por supostos crimes cometidos contra o Estado ou à Ordem Política e Social no âmbito da Companhia Urbanizadora da Nova Capital – NOVACAP, em Brasília. O Relatório dos trabalhos da Subcomissão, cuja cópia foi juntada aos autos, traz dezenas de indiciados, entre os quais João Belchior Marques Goulart, Evandro Cavalcanti Lins e Silva, Israel Pinheiro da Silva, Barbosa Lima Sobrinho, Paulo Baeta.
Neves4 e Edilson Cid Varela5. Registrou-se no relatório do Inquérito Policial Militar – IPM - que o governo de João Goulart “deu azo a um ambiente subversivo pré-revolucionário”, de modo que o próprio ex-presidente foi também investigado e indiciado no IPM pela suposta prática de irregularidades ocorridas no antigo Departamento de Obras Complementares da NOVACAP, notadamente no tocante à ocorrência de reparo e construção em propriedades particulares, a cargo dos recursos da NOVACAP, entre outras tantas irregularidades apontadas no IPM. No Supremo Tribunal Federal - STF, o caso tramitou na forma da Ação Penal 163. Em 30 de junho de 1965, o Procurador Geral da República Oswaldo Trigueiro peticionou ao STF, requerendo desmembramento dos autos quanto aos indiciados João Goulart e Evandro Lins e Silva, tendo em vista que somente a estes caberiam o foro por prerrogativa de função. Pedido de desmembramento deferido pelo Ministro Luiz Gallotti em 5/8/65. Em novo parecer, de 5/10/66, o Procurador Geral da República Alcino de Paula Salazar requereu o arquivamento da ação penal contra Evandro Cavalcanti Lins e Silva, por não haver base nos autos do inquérito para a capitulação criminal ou mesmo qualquer aspecto doloso na deliberação da Assembléia de 26 de fevereiro de 1962, da qual aquele indiciado havia participado, na qualidade de representante da União, como Procurador Geral da República. No mesmo parecer, por outro lado, invocou-se o art. 16, I, do Ato Institucional nº 2 − AI-2 para que o STF reconhecesse sua incompetência para instalar a ação penal contra o ex-presidente João Goulart. O Ministro Luiz Gallotti acolheu integralmente o parecer, e os autos foram remetidos à Procuradoria Geral de Justiça do Distrito Federal, em 18/10/66 para eventual prosseguimento da ação quanto ao expresidente João Goulart e outros.
Em 13 de março de 1967, o Promotor Público designado para funcionar no caso, requereu perante juiz do TJDFT o arquivamento do caso quanto a vários indiciados, a exemplo de Barbosa Lima Sobrinho, com o mesmo entendimento dispensado pela Procuradoria Geral da República em relação ao indiciado Evandro Lins e Silva, qual seja, o de que não havia base nos autos do inquérito para a prática de crime. Apontou ainda o promotor a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva com relação a outros indiciados.
Em 17 de abril de 1967, o MM. Juiz Geraldo Tasso de Andrade Rocha, em exercício na 2ª Vara Criminal do DF, reconheceu a prescrição de 31 dos indiciados, incluindo Edilson Cid Varela e Paulo Baeta Neves. E arquivou, a pedido do Ministério Público – MP, o processo quanto a outros oito indiciados, entre os quais Israel Pinheiro da Silva e Barbosa Lima Sobrinho, reconhecendo falta de justa causa para a ação criminal contra eles. Posteriormente, o MP pronunciou-se, em aditamento, em 19 de abril de 1967, requerendo arquivamento também quanto ao indiciado João Goulart, registrando,
com relação ao ex-presidente o seguinte: “(...) O que o alentado volume de IPM provou em relação a peculato foi o desvio de 10.000 tijolos e de outro tanto de telhas. Foi praticamente o único fato concreto que está sob análise judicial, em fase de diligência pelo M.P.
Quanto ao desvio de mão de obra humana, realmente existem nos autos alguns indícios de que teria ocorrido, o que não é entretanto suficiente para que se inicie a ação penal (...) Ratifico, destarte, o prisma do M.P. de que no caso estamos diante de ilicitudes da esfera cível e às quais se devem aplicar sanções da mesma natureza”.
sentença judicial Em 20 de abril de 1967, o MM. Juiz Geraldo Tasso de Andrade Rocha acatou o pedido do MP no processo contra João Goulart. Nas palavras do MM. Juiz: (...) “Admitindose, ‘gratia argumentandi’, que houve qualquer reprovabilidade quanto às funções do Sr. JOÃO GOULART, como Presidente da República, forçoso é reconhecer que já foi êle apenado com a deposição e o amarulento exílio. De certa forma se incidiria até, no proibitivo ‘bis in idem’, parece-me, sujeitá-lo a mais outras expiações, além da que já se figura ingente, qual seja, a impossibilidade horrorosa, de pisar, tranquilo, o solo sagrado que o viu nascer, desta bendita Terra Brasileira, em consequência do exercício do direito não escrito, mas sempre latente e inegável, de REVOLUÇÃO, contra
Foto: Evandro Cavalcanti Lins e Silva, João Goulart e outros, 1961 – CpdocFGV êle aplicado em processo sumaríssimo, sem prévia audição de defesa. (...) ‘Ex positis’, fica excluído o Sr. JOÃO BELCHIOR DE MARQUES GOULART dêstes autos, que só não mando arquivar, face a necessidade de serem completadas as diligências referentes aos indiciados remanescentes (...)”.
João Goulart
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Em 2 de fevereiro de 1965, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – NOVACAP, ingressou com ação ordinária de ressarcimento de perdas e danos contra João Goulart (autos 1556/65), alegando ter havido enriquecimento ilícito do réu por benfeitorias realizadas entre fevereiro de 1962 e abril de 1963, enquanto exercia a Presidência da República, em imóveis particulares situados em Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Estado da Guanabara, todos pertencentes ao réu. Pediu-se a citação por carta rogatória, tendo em vista que o ex-presidente encontrava-se em exílio no Uruguai.
O advogado do réu apresentou contestação em 23 de janeiro de 1967, nos seguintes termos: “(...) De início, observa e deplora o indisfarçável intuito político que inspirou a propositura da presente ação. O que se pretende, na realidade, através dela, mas sem êxito, é desmerecer o Presidente da República deposto e, assim, coonestar a sua deposição, perante a opinião pública nacional e internacional. (...)”
Em 22 de janeiro de 1973, o MM. Juiz Luiz Vicente Cernicchiaro proferiu decisão reconhecendo a falta de legitimidade ad causam da autora, porquanto vigente norma que previa a competência da Presidência da República, e não do Poder Judiciário, para decretar confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública (art. 8º do Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968). Aludiu ainda o magistrado sobre o AI-5: “O Ato Institucional elegeu espécie jurídica e procedimento próprios para recuperar prejuízos nas hipóteses discriminadas. Além disso, o Ato Institucional acrescentou no artigo 11: ‘Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este ato institucional e seus atos complementares, bem como os respectivos efeitos.’ Em outras palavras, ao Judiciário está vedado apreciar casos de enriquecimento ilícito, no exercício de cargo ou função pública. (...)”. Portanto, registra o magistrado em sua decisão, “(...) estar-se-á laborando em seara alheia, considerando-se que a matéria é da alçada da Presidência da República”.
AGRAVO DE INSTRUMENTO AO TJDFT
Interposto recurso de apelação pelo autor, em 28 de fevereiro de 1973, este não foi recebido pelo juízo, por força de decisão proferida em 27 de abril do mesmo ano. Inconformada, a autora interpôs recurso de agravo de instrumento contra a decisão que negou o recebimento da apelação. A Segunda Turma do TJDFT, à unanimidade, com a relatoria do desembargador Juscelino Ribeiro, entendeu tratarse de falta de pressuposto processual, qual seja, ausência de jurisdição sobre o objeto do processo, o que impossibilitaria o prosseguimento da ação. Manteve-se, portanto, a decisão proferida em primeira instância.
Dr. José Paulo Sepúlveda Pertence, advogado do réu, em seu despacho agravado ao recurso interposto pela NOVACAP:
“(...) Trata-se, com efeito, de uma demanda nascida da mesquinharia e do desejo de mostrar fidelidade aos poderosos.
A pretexto de um alegado crédito de Cr$ 7.306,99 por serviços que teriam sido prestados ao Agravado, que ele não pedira e que jamais lhe fora cobrado, pretendeu a NOVACAP enlamear o Suplicante, denegrindo- lhe a honorabilidade no exercício da Presidência da República.
Por isso, ao invés de servir-se de uma rotineira ação de cobrança, preferiu inserir, no contexto da inicial, uma alusão descabida à L.3.502-58, sobre enriquecimento ilícito no exercício do cargo. (...)”
DETALHES DO CASO
Inconformada com a decisão dos desembargadores, a autora opôs Embargos de Declaração, rejeitados pela Segunda Turma, e, em seguida, interpôs Recurso Extraordinário - RE, por sua vez, inadmitido pelo presidente do TJDFT em exercício, desembargador Lúcio Batista Arantes. Não obstante, pouco tempo depois, a autora peticionou nos autos, requerendo a desistência do RE, alegando que as partes haviam transigido e firmado acordo quanto
ao pagamento do valor cobrado por meio da ação. Desistência homologada pelo Presidente do TJDFT.
Figurou como advogado de João Goulart o Dr. José Paulo Sepúlveda Pertence, muito antes de tornar-se ministro do Supremo Tribunal Federal - STF, o que veio a ocorrer quase quinze anos depois, em 1989.